Carolina Maria de Jesus nasceu em 1914 em Sacramento, no interior de Minas Gerais. Nessa cidade estudou até o segundo ano primário no Colégio Allan Kardec. Seu acesso à escola só foi possível porque Maria Carolina, sua mãe, lavava roupa na casa de Dona Maria Leite, que insistiu para que Carolina fosse alfabetizada e custeou todas as despesas com livros e roupas no colégio.
Mais tarde, em busca de melhores condições de vida, Carolina percorreu o interior dos Estados de Minas Gerais e São Paulo, ora com sua família ora sozinha. Geralmente, enquanto sua mãe trabalhava na colheita do café, ela trabalhava como pajem de criança ou como doméstica. Nas horas vagas, tinha o hábito de ler livros.
Por volta de 1930, São Paulo era inquestionavelmente vista como a cidade da indústria, do progresso, e, consequentemente, dos bons empregos. Imbuída por essa “falsa percepção”, forjada no imaginário social da época, Carolina também acreditava que a metrópole seria o lugar apropriado para as pessoas em condições financeiras desfavoráveis.
No ano de 1937, após a morte de sua mãe, Carolina deixa a cidade de Franca (SP), acompanhando sua patroa, e muda-se para São Paulo, para trabalhar como doméstica. Mas, por ser dona de uma personalidade forte e dotada de consciência de sua condição na sociedade, não se adequou à profissão. Desempregada, Carolina se mudou em 1948 para a Favela do Canindé, às margens do Rio Tietê, e passou a ser catadora de lixo.
Nessa atividade, administrava seu próprio tempo e, nas horas vagas, escrevia poemas, contos, peças teatrais, romances, provérbios, diários pessoais, e compunha músicas. Sua escrita é um testemunho autobiográfico de fundamental importância, pois representa a percepção da escritora em relação às problemáticas sociais, culturais e políticas, tais como as precárias condições de vida na favela, a violência contra a mulher, o preconceito racial, a desigualdade social, o machismo, dentre outras.
Não se sabe ao certo quando Carolina começou a escrever e guardar seus escritos; tudo indica que tenha sido no início dos anos quarenta. Antes de ser revelada ao público, ela já havia tentado chamar a atenção de editores nacionais e internacionais, chegou até a encaminhar alguns cadernos para uma editora nos Estados Unidos, mas o material foi devolvido.
Somente em abril de 1958, o jornalista Audálio Dantas, designado pelo jornal Folha da Noite para fazer uma reportagem sobre a realidade da favela do Canindé, conheceu Carolina e tomou conhecimento dos seus escritos. Em meio a uma múltipla produção literária, o jornalista interessou-se apenas pelos diários. Entusiasmado com a riqueza dos detalhes narrados nos diários, Audálio Dantas prometeu a Carolina que ia viabilizar a publicação de um livro. Antes, porém, o jornalista programou uma série de reportagens para apresentar os escritos de Carolina à sociedade, sendo que a primeira matéria saiu no dia 19 de maio de 1958, no jornal Folha da Noite, e a segunda saiu em 1959, em O Cruzeiro, a revista de maior circulação da época.
Em 1960, Carolina Maria de Jesus experimentou uma fama momentânea com a publicação de seu primeiro livro Quarto de Despejo – o diário de uma favelada. Tamanha repercussão ocorreu principalmente porque o livro retratava as condições de vida dos menos favorecidos. A questão do relato testemunhal foi fundamental para o sucesso da publicação. Carolina também é autora de Casa de Alvenaria: diário de uma ex-favelada (1961), Pedaços da Fome e Provérbios (1963) e Journal de Bitita,livro de memória póstuma, publicado na França em 1982, e lançado no Brasil pela Editora Nova Fronteira, em 1986, sob o título Diário de Bitita. Este livro resulta da divulgação de dois cadernos de manuscritos autobiográficos entregues por Carolina, em 1975, às jornalistas francesas Clélia Pisa e Maryvonne Lapouge, que vieram ao Brasil para entrevistar mulheres de destaque. De um grupo de vinte e seis mulheres selecionadas, Carolina era a única negra. Além dos livros publicados, ela também lançou um disco, em 1961, onde canta suas próprias composições.
Com a publicação do livro Quarto de Despejo os escritos de Carolina Maria de Jesus ficaram conhecidos internacionalmente: a obra percorreu mais de 40 países e foi publicado em 14 idiomas; o sucesso se deu porque pela primeira vez na história uma “favelada” contava sobre as suas próprias condições de vida. Sua escrita se apresentou como uma forma de resistência e denúncia dos abusos sociais aos quais os pobres cotidianamente submetidos. Apesar da repercussão da sua primeira obra, Carolina não
ganhou em vida toda a atenção que merecia enquanto escritora.
Carolina Maria de Jesus morreu em 13 de fevereiro de 1977 em Parelheiros (SP).
Seguindo a lógica cruel que muitas vezes acompanha artistas e escritores, Carolina conheceu a glória póstuma: sua obra hoje se tornou referência nos Estados Unidos; no Brasil, Quarto de Despejo é hoje leitura obrigatória no vestibular em várias universidades de porte, como a UNICAMP, A UFRGS E AUFMG. Grupos e coletivos feministas se inspiram na escritora a fim de discutir e solucionar seus próprios problemas no sentido de promover a mulher, como fazem o Coletivo Carolinas de Mulheres Negras, na Bahia, e o Carolinas, no Rio de Janeiro. Do ponto de vista artístico, vida e obra de Carolina tem sido tema para filmes, peças teatrais e composições musicais.
Referências:
Jesus, Carolina Maria de. Quarto de despejo – Diário de uma favelada. São Paulo: Francisco Alves, 1960.
__. Meu estranho diário. São Paulo: Xamã, 1996. (org. Meihy, José Carlos Sebe Bom).
__. Diário de Bitita. 2ª ed. Sacramento (MG): Bertolucci, 2007.
Texto: Eliana Garcia Vilas Boas / Foto: Acervo Arquivo Público Municipal
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